Desassossegado sossego

De ti me despeço, agora e aqui.
De ti e de mim, pois de mil ventos que fizeste em mim colidir, apenas ruínas permaneceram de pé, fazendo companhia a este corpo desprovido de viva essência.
Raios de luz cintilantes, brisas frescas que faziam esvoaçar as folhas que paradas estavam, pequenos salpicos de cor nos teus olhos, e a doçura da tua voz...o que de mais certo era, todo o sentido perdeu assim que o barulho estridente do fecho de uma porta ecoou na minha cabeça. Para todo o sempre mil certezas ficaram de que mais nenhum dia de verão existirá neste lugar que apenas escuridão conhece. E a brisa que tanto adorávamos, o calor que tanto nos fazia sorrir e soltar preocupações, se foram…tal como os abraços, os toques, as carícias, os beijos, as gargalhadas e o cheiro da pele que desejava nunca deixar de sentir, esvoaçaram para longe das minhas recordações, para lugares em que julgo não ter força para correr em sua busca.
Quando, pela última vez, de ti me permiti ser, ao teu abraço me entreguei, ao teu beijo me agarrei com todas as forças que tinha e as que não sabia ser possível ter, garantindo a mim mesma que eras a minha razão de viver, perante a tua mão jurei nunca mais enterrar os sentimentos que me trouxeram uma vida que nunca havia tido. Nunca havia sonhado com um amanha, tal não faria sentido pois tudo o que no momento tinha, justificava todas e quaisquer paragens que o tempo parecia proporcionar. E quando de tudo fugi, ao meu encontro veio o arrependimento e o vazio que outrora preenchi. Presentemente, apenas aguardo pela chegada de um amanha, sendo o que denuncia ao mundo o meu desejo de que lutes, que grites em silêncio pelos sentimentos que a ti devolvi e de que corras ao meu encontro, para tudo o que o ontem foi, volte a ser hoje, amanha e todos os restantes dias que existirem.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Incerteza

Já não sei se sou eu, se tu és tu, se aquilo que sentimos é amor ou simplesmente ódio, sinceramente, esqueci todas as minhas raízes a que estava presa, não me lembro de nada…apenas do vazio do teu olhar. Não sei se sinal de fraqueza é, mas sempre que os nossos olhares se cruzam algo me faz desviar meus olhos dos teus, que como cruel detector de tudo o que me preocupa me revista sem autorização. Talvez por falta de lealdade, respeito, fidelidade talvez, mas já não temos assunto muito menos conversas, apenas somos dois corpos flutuantes que se cumprimentam e nada mais…nada é como tempos passados, em que as tardes pareciam minutos e as nossas conversas nunca acabavam. Por vezes, por dias, por meros segundos de suspiros, descarto me da capa de força que me reveste, para admitir que nada é como se julga ser e que tudo quanto à partida já é consagrado como seguro, eterno e sem mudança, não o é…
As nossas mãos nada mais tacteiam, apenas o vazio, as nossa vozes já não combinam entre si, os nossos olhares já não falam, as nossas bocas já não se beijam muito menos falam, permanecem fechadas à espera que passem as horas que se vêm tornando cada vez mais pesarosas.
Tudo o que acontece, ou por outro lado, tudo o que deixou de acontecer, denuncia algo que não está certo…tudo o que outrora havia sido construído, parece ter desaparecido assim como o amor, a saudade, a timidez no eterno olhar apaixonado que se ligava às mãos que sempre se uniam em todos os encontros!
Creio que esta foi a última carta que escrevi, mais uma em que denuncio que tudo o que sentia desapareceu… mais uma carta que nunca vai ser enviada por falta de palavras! O que a distância separa nada mais, pode aproximar.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Abrigo

E num mundo de mentiras assumidas como verdadeiras, descem cortinas de estrelas sobre a noite escura para me seduzirem, quando o que mais me assombra são espaços vazios.
Brisas de ventos quentes que histórias me segredam, todas as noites me vêm embalar num sono do qual não quero acordar. Estes sopros abanam e remexem fazendo tilintar tudo o que parado se obriga a estar, tirando a teima às coisas e às gentes. Cabelos ao vento, olhos ao sonho, sorriso às ilusões e mãos ao solo…tudo se une, para que um dia não mais me descubram neste sítio residente em ti, que quero que permaneça como meu eterno abrigo.

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

Recordações


Recordações…maldito quem as levar…restam do nada, servindo de melancólico lembrete…recordações cruéis ou bem ditas, que me fazem explodir de cores ou algo que nunca entendi por ser tão simples…recordações que me lembram das lágrimas caídas por impulsos inúteis…por discussões com motivos em falta…por paisagens devoradas pela beleza e tranquilidade que eu procuro e nunca encontro em mim…por pessoas com quem me cruzei em ruas sem caminho…saudades as recordações me vêem trazer de dias de verão, onde o rio era casa de multidões, para onde corríamos em corridas loucas, onde apenas eu era corredora, em que só eu, acreditava que memórias como o sentir-se esvaziar em vislumbre do anoitecer na estrada dourada de campos de trigo, me levava a respirar mesmo que por minha vontade não fosse, levando me a baloiçar com as enraizadas ervas, como que por solidariedade, achando que me entregaria ao vento para todo o sempre como elas, confiando na brisa como que não soubessem se permaneciam ali, ou se teriam já viajado meio mundo...iriam durar para sempre…que melancolia trazem as saudades dos dias em que o céu escuro, como retrato de alma minha, anoitecia rápido querendo despedir se dos seres, chorava lágrimas divinas e trovejava gritos e ordens a ninguém…onde à noite, ruas sozinhas se cruzavam apenas com a companhia de lojas pequenas e pequeninas, que se trajavam de luzes e luzinhas fazendo me congelar e obrigar a puxar do casaco, já pesado como alma minha, sentindo o frio que sempre me acolheu…onde o calor, era o vizinho com quem não se falava…oh recordações…quem vos matasse!
Que, um dia, onde jamais me encontrarão para me atormentar, irão atormentar, quem como eu, não soube viver…

Uma Rapariga Esquecida Do Mundo

De nada adiantou atravessar a floresta dos meus medos por um sonho inacabado. A morada a que pertenço nem se quer me reconhece. O amanhecer...